MORMO
A exploração de muares em trabalho intensivo e as condições ecológicas e de criação podem favorecer a instalação da doença.
Não há dados precisos sobre a introdução do mormo no Brasil. Isso
teria ocorrido, provavelmente, em 1811 na Ilha de Marajó, onde foi
introduzido grande número de cavalos procedentes da cidade do Porto,
em Portugal. Após algum tempo, um grande número deles morreu,
apresentando "catarro e cancro nasais".
Ao longo do século XIX várias ocorrências de mormo são identificadas,
principalmente nas cidades do Rio de Janeiro, Campos, São Paulo e
Salvador. Sua presença quase sempre estava relacionada com unidades
militares e companhias de bondes, movidos a tração animal. A partir de
1950, a doença passou a ser observada cada vez mais raramente,
coincidindo com a redução do uso dos equídeos.
Em 1968, casos de mormo foram diagnosticados por técnicos do
Ministério da Agricultura no município de São Lourenço da Mata, em
Pernambuco. O Boletim de Defesa Sanitária Animal, sobre as primeiras
observações das doenças animais no Brasil, publicado em 1988, considerou
que a doença estaria extinta no Brasil, uma vez que, desde a sua constatação
em Pernambuco em 1968, nenhum caso novo fora comunicado num
prazo de 31 anos, no entanto, nunca foi estabelecido um programa de
controle ou erradicação de tal forma que não podemos considerar a
doença erradicada.
Além disto, conforme documento encaminhado ao Ministério da
Agricultura em 1998 por pesquisadores da Universidade Federal Rural de
Pernambuco, os casos de "catarro de mormo", ou "catarro de burro",
como a doença é denominada neste estado, continuaram ocorrendo e matando grande número de equinos e muares (burros) nas propriedades
canavieiras da zona da mata. Apenas em um dos municípios afetados
foram registrados por esta equipe de veterinários mais de 400 mortes
causadas pelo mormo nos últimos anos.
Em setembro de 1999, os professores Fernando Leandro dos Santos e
Rinaldo Aparecido da Mota, do Departamento de Medicina Veterinária
da UFRPE solicitaram ao Ministério da Agricultura (MA) a coleta de soro
em animais das propriedades do Grupo António Farias, no município de
Cortes (PE), e do Grupo Trapiche, localizadas em Serinhaém (PE) e São José
da Laje (AL), onde estaria ocorrendo mormo. Esses soros foram remetidos
para o LAPA/Recife, que providenciou seu envio para análise no Laboratório Paddock, em São Paulo.
O Laboratório Paddock, em 7 de outubro, comunicou os resultados do
exame de fixação de complemento para mormo ao MA quando 7 animais
se mostraram positivos em um total de 20.
Esses resultados confirmaram a suspeita de que se tratava de mormo. Na
ocasião, o Departamento de Defesa Animal (DDA)
do MA notificou o OIE sobre esta ocorrência.
A situação provocou alterações no trânsito interestadual e internacional.
Em 3/2/2000, o DDA proibiu o trânsito interestadual de equídeos com
origem nos estados de Alagoas e Pernambuco. Alguns países da América
do Sul, incluindo a Argentina e o Chile fecharam as fronteiras para equinos
provenientes do Brasil e em virtude destas barreiras sanitárias, foi cancelado
o XX Clássico da Associação Latino Americana de Jockeys Clubs, previsto
para o dia 18/03/00, no Jockey Club de São Paulo causando grande
prejuízo. Os animais brasileiros também não puderam participar de alguns
torneios pré-olimpicos e diversas transações envolvendo a exportação dos
nossos animais foram suspensas. Em 1/3/2000, a União Europeia proibiu a importação de equídeos provenientes dos estados de Pernambuco e
Alagoas.
Em fevereiro de 2000, o DDA realizou uma missão de avaliação da
situação do mormo nos estados de Pernambuco e de Alagoas. Deslocaram-
se à região os Drs. César Rozas e Vitor Gonçalves.da Divisão de Epidemiologia.
Esta missão permitiu concluir que:
Os casos diagnosticados de mormo não são ocorrências isoladas nas
usinas afetadas e desde algum tempo que os técnicos da região suspeitavam
da doença, com base em manifestações clínicas, principalmente em muares
de trabalho. A demora em obter um diagnóstico conclusivo deveu-se ao
fato de ser difícil a caracterização do agente em questão e, também, por
a doença se julgar erradicada.
As evidências clinicas não sugerem que a doença tenha origem fora
da região, uma vez que os sinais de doença são aparentes apenas algum
tempo após o ingresso na região da zona da mata dos dois estados, onde
os muares são utilizados na produção de cana-de-açúcar em plantios de
encosta. As condições ecológicas (alta umidade) e as condições de criação
e exploração destes animais são favoráveis à manutenção do agente
infeccioso, uma vez que os muares são mantidos em trabalho intensivo
durante aproximadamente 10 anos, durante os quais são mantidos em
grupos de equídeos com contato permanente entre si.
No entanto, em levantamentos feitos posteriormente, foram detectados
animais positivos também nos estados de Sergipe e do Ceará, o que exige
uma investigação mais ampla.
Felizmente, em 27/04/00, os quatro países do Mercosul assinaram
um acordo que permite o ingresso de equídeos procedentes do Brasil,
revogando a proibição anterior, na condição de os animais:
1. terem origem e procedência de zonas livres da enfermidade;
2. terem permanecido, durante os seis meses anteriores ao embarque, numa
propriedade onde não foi detectado nenhum caso de mormo;
3. apresentarem resultado negativo na prova de fixação de complemento
para detecção de mormo, nos 15 dias anteriores ao embarque; e
4. não apresentarem sinais clínicos de mormo no dia do embarque.
SINTOMAS DA DOENÇA
A doença manifesta-se sob as formas nasal, pulmonar e cutânea. Pode
provocar nódulos e ulcerações no trato respiratório superior e pulmões e
ataca também o sistema linfático, com a formação de abscessos nos
linfonodos. Os animais doentes apresentam febre, corrimento nasal
mucopurulento, dificuldade respiratória, nódulos no trajeto dos vasos
linfáticos, úlceras e escaras e debilitação geral. A transmissão se dá por
meio do contato com as secreções e excreções de doentes, especialmente a
secreção nasal e o pus dos abscessos, que contaminam o ambiente e,
principalmente, comedouros e bebedouros.
Em um breve estudo epidemiológico feito pela equipe da UFRPE
constatou-se que a maioria dos animais acometidos é de muares adultos,
usados no transporte de cana, e equinos, que substituíram os muares
mortos e foram submetidos ao mesmo regime de trabalho. Mais
recentemente passaram a ocorrer casos em animais de esporte,
especialmente cavalos Quarto de Milha (vaquejada, argolinha, rodeio, etc.)
e de passeio (cavalgadas e comitivas), muito provavelmente em conexão
com a intensa circulação de equídeos em Pernambuco onde a "indústria
do cavalo" tem se desenvolvido rapidamente. O ingresso da doença nas
propriedades apresenta algumas peculiaridades, considerando
fundamentalmente o manejo, os tipos de propriedades e os hábitos culturais
para a compra e movimentação dos animais na zona rural pernambucana.
A maioria dos estábulos nestas regiões é coletiva e com um cocho único
facilitando a disseminação do mormo devido à grande promiscuidade
entre animais sãos, aparentemente sãos e doentes.
A base da alimentação é de melaço, cana e sal. Nas usinas e engenhos
há ingresso de equinos e muares de diversas localidades que trazem a cana
de outras propriedades para ser processada e se misturam aos animais de
haras e centros de treinamento ali alojados por motivos diversos sem
qualquer preocupação, considerando uma crendice de que o equino não é
suscetível ao "catarro de mormo"
COMO COMBATER A DOENÇA?
A profilaxia do mormo baseia-se no isolamento da área onde existirem
animais doentes, sacrifício dos animais positivos às provas de diagnóstico,
isolamento e releste dos suspeitos, cremação dos cadáveres no próprio
local, desinfecção das instalações e de todo material que esteve em contato
com doentes, suas excreções ou secreções. O tratamento não é indicado
pois os animais se tornam portadores crónicos e fontes de infecção para outros animais.
No entanto, a solução para o problema detectado inicialmente nos estados
de Pernambuco e Alagoas passa por um envolvimento e comprometimento
dos vários setores afetados - usinas e seus fornecedores, criadores de cavalos,
organizadores de eventos equestres e outros - em colaboração com os
ó rgãos públicos, como os serviços de defesa sanitária animal e a universidade
e o primeiro passo deve ser um estudo que permita avaliar a situação epidemiológica nos dois estados, não apenas na população de animais
envolvida na produção de cana-de-açúcar, mas também em
outros setores, dentro e fora da zona da mata.
Assim, o Ministério da Agricultura em reunião técnica realizada nos dias
17, 18 e 19 de abril de 2000 em Brasília, com a presença de diversos
especialistas, estudou profundamente o assunto e estabeleceu metas visando
o combate a esta doença.
A primeira dificuldade que se coloca ao delineamento de um
programa de combate ao mormo é o desconhecimento da dimensão
atual do problema. Não se conhece ainda a prevalência da doença,
nem tampouco a área geográfica e o tipo de propriedades envolvidas.
Assim, o início do programa deve compreender um estudo soro-
epidemiológico com o objetivo de caracterizar a dimensão real do
problema. Pretende-se estimar os níveis de prevalência da doença em
diferentes segmentos da população de equídeos e em várias regiões dos
estados afetados, com o objetivo de priorizar e direcionar as ações de
controle e erradicação da doença. O mesmo trabalho será realizado em
regiões de outros estados que tradicionalmente criam muares e vendem
esses animais para o Nordeste.
Simultaneamente, todas as suspeitas de focos de mormo serão atendidas, em todos os estados brasileiros, com coleta de sangue para diagnóstico laboratorial. Tanto o estudo soro- epidemiológico de prevalência como o atendimento à focos serão financiados com recursos públicos e executados pêlos órgãos de defesa
sanitária animal dos estados envolvidos. Os resultados do estudo estarão
disponíveis em outubro de 2000; nesse momento será possível determinar
como será o programa de erradicação.
Fonte:
Imagens: - Saúde Animal, www.saudeanimal.com.br