segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Mineralização de potros em crescimento

Mineralização de potros em crescimento
(Por: Dra. Claudia Ehlers Kerber)*

1) Introdução
Nos criatórios de bom padrão não é comum observarmos os sintomas de distrofias ósseas mas o desequilíbrio mineral se manifesta na forma de um esqueleto frágil mesmo sem a observação clínica. Este enfraquecimento se manifesta somente quando o animal é submetido ao treinamento intensivo. Assim, o diagnóstico precoce dos desequilíbrios minerais assume grande importância na medida em que os distúrbios podem ser reversíveis se a causa for corrigida rapidamente.
Nas áreas tropicais do Brasil, o desenvolvimento das pastagens de características tropicais, as alterações sazonais e a tendência à grande concentração de animais devido ao alto custo da terra, freqüentemente resultam em uma alimentação deficiente em minerais e aparecimento de distrofias ósseas que depreciam o valor econômico dos eqüinos e muitas vezes os inutilizam para o trabalho.

2) Considerações sobre o cálcio e o fósforo do ponto de vista nutricional em eqüinos
Os cavalos são altamente suscetíveis a sofrer com dietas contendo níveis inadequados de cálcio e/ou fósforo mais do que qualquer outro mineral. Segundo a recomendação do National Research Council, a quantidade de ração concentrada oferecida aos eqüinos nunca deveria ultrapassar 50% do total da dieta. A outra metade deve se constituir de volumoso, mais freqüentemente administrado na forma de pastejo. Os concentrados são ricos em energia e fósforo e pobres em cálcio. O excesso de ingestão de concentrados é a principal causa de aparecimento de lesões ósseas nos cavalos. Altos níveis de cálcio (3 vezes a recomendação do NRC) não produzem lesões ósseas.
As espécies vegetais mais recomendadas pelos agrônomos para formar pastos para eqüinos nas áreas tropicais são as de crescimento estolonífero que se recuperam bem após o pastejo contínuo e se adaptam bem ao clima tropical e ao hábito de pastejo rasteiro dos eqüinos. O Coast Cross é o mais popular, é resistente ao frio e permanece verde o ano inteiro mas é exigente quanto à fertilidade e responde bem à adubação. Recentemente o Tifton e outras variantes tem sido introduzidas.
Ainda que se adote os cuidados necessários para uma máxima produção, as pastagens tropicais apresentam cerca de 80% da produção total no período denominado "verão agrostológico" (setembro a abril) e somente 20% no inverno. O seu valor nutritivo também diminui no inverno. Assim, enquanto uma pastagem de 1 hectare bem manejada no verão suporta facilmente 5 cavalos, no inverno ela pode não ser suficiente nem mesmo para dois deles.
As rações comercialmente disponíveis para cavalos tem o milho como principal fonte de energia e a base da alimentação dos eqüinos no nosso meio é com gramíneas. Nem os grãos nem as gramíneas contém suficiente quantidade de cálcio para suprir as necessidades de um cavalo em crescimento, especialmente se ela for de má qualidade ou estiver muito madura. Desta forma, as necessidades diárias dos cavalos com relação ao fósforo são satisfeitas ou estão em excesso enquanto que as de cálcio estão bem aquém do necessário, devendo ser corrigidas através de suplementação mineral e/ou fornecendo forragem a base de leguminosas. As leguminosas (alfafa, trevo) possuem 3 a 6 vezes mais cálcio do que as gramíneas e a mesma quantidade de fósforo mas em regiões tropicais o consorciamento de gramíneas/leguminosas não é recomendado de forma que os criadores são obrigados a administrar feno de leguminosas (alfafa) se pretendem utilizar este alimento.
De uma forma geral o balanceamento das rações para eqüinos é feita com base na idade/peso e tipo de trabalho que eles desenvolvem não levando em conta estas variações sazonais ou a qualidade da forragem oferecida, embora isto seja da maior importância, já que respeitando-se a proporção de fornecer 50% da ração em concentrado, um cavalo em crescimento ingere aproximadamente 2 a 2,5% do seu peso vivo em forragens por dia.

3) O esqueleto eqüino, fisiologia do crescimento e patofisiologia
A manutenção da homeostasia do cálcio e do fosfato depende principalmente do trato intestinal, do esqueleto e dos rins. Além disto uma contribuição essencial é dada pela pele e fígado.
O íon cálcio é de fundamental importância para todos os sistemas biológicos e a sua concentração deve se situar entre limites estreitos de tolerância fisiológica entre os diversos compartimentos. O íon fosfato também é de importância crítica em todos os sistemas biológicos. O nível normal de cálcio no plasma de eqüinos adultos é de 10.2 a 14,3 mg/dl. O de fosfato inorgânico é de 2.1 a 5,9 mg/dl.

O papel do intestino - Vários fatores influenciam a absorção do cálcio e do fósforo. Normalmente cerca de 50% do cálcio ingerido é absorvido mas a eficiência da absorção depende de diversos fatores. Durante períodos de maior intensidade na mineralização óssea, como crescimento, prenhez e lactação, a eficiência da absorção aumenta. Com relação à absorção de fosfato nos eqüinos, a porcentagem absorvida na dieta é relativamente constante e depende principalmente da fonte. Basicamente os fosfatos solúveis são mais facilmente absorvidos e podemos estimar a absorção de fósforo em 29-32% nos concentrados, 44-46% nas forragens e como média geral, 58% nos melhores suplementos minerais.
Fitatos e oxalatos se ligam aos cátions diminuindo a sua absorção. As gramíneas de pastagens tropicais e subtropicais podem apresentar alto nível de oxalato diminuindo a absorção de Cálcio.

O papel do rim - O rim filtra diariamente uma grande quantidade de cálcio não ligado a proteínas mas cerca de 98% é reabsorvido. Reabsorve também 80 a 97% do fósforo filtrado. Quando o nível plasmático de fósforo aumenta, os mecanismos de reabsorção são rapidamente saturados e a excreção, então, aumenta em proporção ao fosfato filtrado.

O papel do esqueleto - A mineralização do osso depende da concentração plasmática de cálcio e fósforo. Por sua vez, o esqueleto é o grande reservatório de cálcio e de fósforo disponível para a manutenção dos níveis normais destes minerais no sangue.

O papel dos hormônios - Os principais hormônios controladores da calcemia são o paratormônio, a calcitonina e a vitamina D, embora outros possam também contribuir.
A ação mais evidente do paratormônio é mobilizar o cálcio das reservas do esqueleto e jogá-lo no fluído extracelular, aumentando a concentração do cálcio plasmático. Ele também aumenta a reabsorção do cálcio no rim e aumenta a excreção urinária de fósforo. O único estímulo necessário para a liberação do paratormônio é a variação na calcemia.
A calcitonina é produzida pelas células C da tireóide. O estímulo para a sua liberação é o aumento da concentração do cálcio iônico no sangue. A ação da calcitonina é antagônica à do paratormônio com relação à reabsorção óssea.
O terceiro importante hormônio envolvido na regulação do metabolismo do cálcio e remodelação do esqueleto é o colecalciferol (vitamina D3), que pode ser absorvido pelo intestino ou sintetizado na epiderme através de reação catalisada pela radiação ultravioleta do sol. Em regiões tropicais a insolação abundante garante excelente aporte de vitamina D3.

4) Patofisiologia
Em cavalos, o mais freqüente desequilíbrio nutricional ligado aos minerais, é a ingestão excessiva de fósforo ou insuficiente de cálcio. A ingestão excessiva de fósforo resulta numa absorção intestinal excessiva e hiperfosfatemia. A hiperfosfatemia estimula a paratireóide indiretamente, levando a reabsorção óssea e aumento da fosfatúria. Da mesma forma, a ingestão insuficiente de cálcio determina uma hipocalcemia que leva a estimulação da paratireóide.
A ingestão contínua de uma dieta desbalanceada leva a um estado permanente de hiperparatireoidismo compensatório e ao desenvolvimento progressivo de distúrbios metabólicos do osso por reabsorção da matriz óssea decorrente da ação do paratormônio.
Os cavalos com este tipo de distúrbios geralmente se alimentam de dietas ricas em grãos e com forragens de baixa qualidade. Este tipo de dieta normalmente é palatável e nutritiva, exceto pelo desequilíbrio cálcio/fósforo, de tal forma que o animal se desenvolve com peso e tamanho normais mas podendo apresentar fragilidade óssea clínica ou subclínica.
Quando as lesões se tornam evidentes clinicamente, algumas das osteopatias mais freqüentemente observadas são as seguintes:
- Osteocondrose - É um defeito da ossificação osteocondral que resulta em diversas manifestações dependendo do local aonde ela se instala. Ela pode surgir na forma de lesões císticas no osso ou como defeito na cartilagem articular. Freqüentemente estas lesões são dolorosas e muitas vezes somente diagnosticadas por exame radiológico ou quando há manifestação de dor, mormente na intensificação do treinamento. O desequilíbrio nutricional especialmente relacionado aos macrominerais é preponderante no aparecimento destas lesões.
- Deformidades angulares ou flexurais - Quando associada ao desenvolvimento, uma das causas pode ser por desequilíbrio mineral.
- Epifisite - Quando a cartilagem de crescimento não é substituída por osso e os vasos não conseguem penetrar na zona de crescimento, o osso não se organiza, há necrose nesta área e podemos observar clinicamente o alargamento no local da placa de crescimento distal do osso rádio. Em potros de até 1 ano, a manifestação mais comum é no metacarpo e metatarso distal de tal forma que os boletos adquirem o formato de "ampulheta". Se estima que 73% a 88% dos problemas de crescimento em potros são devido a deformidades de angulação ou epifisite.
- Distúrbios ósseos no cavalo em treinamento - O cavalo em treinamento está sujeito a muitos tipos de lesão, como fraturas ósseas, inflamação do periósteo, microfraturas, exostoses, etc. Muitas destas patologias podem ter sua origem no desenvolvimento inadequado do esqueleto durante o crescimento.
- Osteodistrofia fibrosa - Em animais adultos com estágio avançado da doença, podemos observar lesões severas especialmente o alargamento dos ossos da mandíbula e maxila, distúrbio conhecido como "cara inchada", e manqueira evidente. Nos ossos da face há queda dos dentes e deposição em excesso de tecido conjuntivo e osteóide, daí o alargamento progressivo dos ossos.

5) Considerações sobre o diagnóstico
O diagnóstico precoce dos desequilíbrios minerais assume grande importância na medida em que os distúrbios ósseos podem ser reversíveis se a causa for corrigida rapidamente. O método de diagnóstico deve ser sensível, precoce e aplicável em larga escala. A anamnese e o exame clínico são imprecisos já que a fragilidade óssea pode não se manifestar clinicamente até que o esqueleto esteja comprometido irreversivelmente. Diversos autores já demonstraram as limitações das dosagens sangüíneas de cálcio, fósforo , fosfatase alcalina, bem como da análise da ração.
Um método bastante recomendado pela sua sensibilidade, custo e precocidade é o clearance fracional de fósforo. Mais recentemente a dosagem de paratôrmonio pelo método de radioimunoensaio e de imunoradiometria de hormônio intacto foram validados para uso em eqüinos mas ainda não há estudos publicados com o seu uso em larga escala e o alto custo é limitante. Finalmente, ainda está em fase de avaliação o uso de marcadores ósseos como método de diagnóstico de osteopatias.

6) Clearance fracional de fósforo
Como descrito acima, os desequilíbrios minerais mais observados no nosso meio, são a carência absoluta de cálcio ou a sua deficiência relativa por excesso de ingestão de fósforo. Isto leva a um aumento na atividade do paratormônio promovendo maior reabsorção óssea e aumento na excreção renal de fósforo. Desta forma, o diagnóstico do aumento do clearance fracional do fósforo pode indicar a ocorrência excessiva de reabsorção e enfraquecimento do esqueleto.
Para determinar a perda renal de um eletrólito, classicamente seria necessário uma coleta de urina durante 24 horas, por causa da variação na quantidade de água da urina. Neste caso, a concentração do eletrólito multiplicado pelo volume urinário daria a excreção urinária diária, no entanto, a coleta de urina durante 24 horas é muito difícil na clínica de eqüinos. Uma alternativa seria comparar o clearance do fósforo com o clearance da creatinina endógena e calcular o clearance fracional, eliminando o volume dos cálculos. A creatinina é produzida continuamente pelo metabolismo muscular e aproximadamente 90% dela é excretada, refletindo, assim, o ritmo de filtração glomerular.
O clearance renal de uma determinada substância representa o volume de plasma que a cada minuto fornecerá a quantidade da substância presente na urina (ml/min).
O procedimento para o cálculo do clearance se inicia com a coleta de urina e sangue sem anticoagulante, os quais devem ser mantidos refrigerados. Realiza-se a dosagem de fósforo e de creatinina nas amostras de sangue e de urina. Os valores encontrados são colocados na fórmula para cálculo da excreção fracional ou clearance fracional. Os valores normais de clearance fracional se mostram dentro de limites bem precisos em cavalos sãos recebendo dieta balanceada e se situam entre 0 e 0,5%. Os valores aumentam bastante quando os animais são submetidos a dietas ricas em fósforo ou pobres em cálcio. Desta maneira, valores acima de 0,5 são indicativos de excreção renal excessiva de fósforo em decorrência do processo de hiperparatireoidismo compensatório.
Os valores aumentados tem grande importância nos animais em crescimento e deve-se proceder a uma análise cuidadosa da ração administrada e ao seu balanceamento. Após implantação da dieta corrigida podemos observar um retorno progressivo aos níveis normais de excreção de fósforo em aproximadamente 30 dias.
Em animais estabulados, os valores de clearance costumam se situar entre 0,5 e 2,5 mas podem aumentar em até 42% em cavalos estabulados clinicamente normais e já foi provado estatisticamente que o alto clearance está associado a fraturas em animais em hipódromo.
Assim, o clearance fracional de fósforo é uma técnica útil e aplicável em larga escala, indicando desequilíbrio dos macrominerais cálcio e fósforo na dieta e enfraquecimento do esqueleto.

FONTE:

* Pós-graduanda do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo
Laboratório Paddock - Proprietária
Rua Pero Leão, 149 - CEP 05423-060 – São Paulo-SP
Tel: (11) 3037-7527 / 3031-5543

E-mail : kerberlab@xpnet.com.br

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